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"OS 13 PORQUÊS": como Hannah descortinou a polêmica da depressão e do suicídio como sua consequência

Por Iolanda Aguiar e Oliveira

25/05/2017


Depois de ler muitos comentários a respeito da série "13 Reasons Why" eu decidi fazer os meus próprios. Esperei baixar a poeira e deixar com que as pessoas se libertassem de uma percepção calorosa sobre o tema (se é que isso é possível). Penso diferente de muitos os que comentaram sobre a série, desde críticos de cinema a psiquiatras. Para começar meu argumento, não penso que seja uma série para adolescentes, ainda que muitos adolescentes a tenham assistido e, inclusive, se interessado. Entendo que se trata de uma série para adultos sobre adolescentes.

Sempre acreditei que a arte imita a vida e não o contrário. A arte não existe para ser moral ou imoral. A arte não existe para ser agradável. Penso que ela existe para evocar emoções, estimular sensações, e ao promover essas reações, dá voz e lugar aos temas sobre os quais temos dificuldade de falar, que são difíceis de se expressar. A série é uma forma de arte, tal qual é o cinema ou a novela.

Compreendo que "13 reasons why" não seja uma série que traga uma reflexão pronta, mas que nos convida a observar e refletir. O olhar da personagem Clay representa o nosso olhar observador. A escolha de se apresentar o relato de Hannah através do seu testemunho acompanhado de um mapa que levaria os seus ouvintes a buscarem os lugares em que os eventos decisivos de sua vida aconteceram, é uma maneira de transformar o telespectador numa mosca que viaja no tempo e pode perceber os acontecimentos em sua linearidade como se estivessem estado junto à Hannah a todo instante. Portanto, para mim essa série se revela como um olhar fenomenológico, ou seja, uma forma de perceber os fenômenos como a protagonista os experimentou.

De fato a série não conceitua a depressão. Ela a mostra. O roteirista (ou a autora do livro) não diagnostica Hannah. O mesmo acontece na vida real muitas vezes: muitas são as pessoas que estão vivendo um processo depressivo sem dar nome ao sofrimento que experienciam. Cada um vive sua depressão da maneira que dá conta: uns não querem sair da cama, outros não conseguem dormir, uns vivem sua vida aparentemente normal, outros alteram seus comportamentos. Hannah permaneceu vinculada aos seus compromissos cotidianos, mas a experiência vivida subjetivamente, nos recônditos da sua intimidade, evidenciavam sua baixa autoestima, sua dificuldade de socialização, suas inseguranças, dentre outras vivências que caracterizam sua depressão.

A personagem central se mostrava uma pessoa muito diferente quando chegou à nova cidade, à nova escola. Sorria com facilidade, socializava sem dificuldade, era destemida… Até que os desafios começam a surgir. George Berkeley foi um filósofo conhecido por uma máxima que diz que "ser é ser percebido". Jean-Paul Sartre, filósofo francês contemporâneo, afirmou também que só existimos quando somos reconhecidos em nossa existência. A adolescência é o momento da vida em que desenvolvemos nossa identidade, a época em que estamos aprendendo sobre nós mesmos, reconhecendo nossas próprias características. É também a fase em que os grupos dos quais fazemos parte são de imensa importância, justamente porque, ao nos vermos refletidos nas pessoas ao nosso redor, conseguimos compreender quem somos, até mesmo quando nos deparamos com aquilo que não somos.

Hannah via a sua imagem definhar a cada dia com cada comentário negativo a seu respeito, inclusive (ou principalmente) alguns mentirosos. E foi assim que o seu autoconceito começou a desmoronar e ela passou a reconhecer a si mesma como alguém que não era merecedora do olhar e do afeto do outro. Numa contradição, ela passa a negar as pessoas, mesmo aquelas que ela tanto queria por perto. Uma evidência disso é que ela nunca compreendeu os elogios indiretos que Clay fazia a ela de maneira positiva. Havia sempre uma compreensão distorcida que fazia o elogio rapidamente se transformar numa crítica.

Se em algum momento a maneira como Hannah relata os eventos de sua vida parece sem emoção, dando a impressão de que ela não dava aos fatos a sua devida importância, não foi por negligência do diretor da série. Foi por realismo, penso eu. Quando as pessoas se deparam com um sofrimento que lhes parece insuportável, muitas vezes, para tentarem se proteger da dor a transformam num "objeto" que não mais faz parte delas, que lhes é externo e, assim, se tornam apáticas. A apatia, se compreendida como falta de emoção, de motivação, de entusiasmo, descreve a tonalidade do discurso da protagonista. Ela conta sobre as tragédias que viveu e testemunhou sem se emocionar, sem esbravejar ou se empolgar.

Todas as teorias psicológicas compreendem o valor da fala, da verbalização dos sentimentos e emoções. Enquanto as pessoas estiverem conseguindo falar sobre suas experiências, menos risco correm de se entregar ao sofrimento. Aqui vai um ligeiro (e talvez insignificante) spoiler: quando Hannah termina a gravação do 12º relato, ela afirma que o fato de ter podido expressar todas as suas experiências trouxe alívio para ela e então, segundo a personagem, decide dar à vida uma outra oportunidade. Se a premissa da série é o suicídio, então posso afirmar que essa oportunidade não foi bem sucedida haja vista a sua atitude de tirar a própria vida.

Para mim, a série não é sobre suicídio. A série é sobre depressão e sobre ética. A ética cabe quando, então, passamos a tirar o foco de Hannah e começamos a observar o comportamento das pessoas ao seu redor. A história mostra o quanto os comportamentos das personagens coadjuvantes acaba por influenciar a maneira como Hannah percebia a si mesma, aos outros, ao mundo e à vida. Comportamentos egocentrados que não consideravam a repercussão que causaram na vida dos outros. Tentativas de se sobressair às custas da diminuição do valor do outro, se dito em poucas palavras.

Quanto aos pais de Hannah, ouso dizer que suas falhas residiam no fato de que confiavam nas capacidades da filha. Além disso, não poderiam enxergar aquilo que ela não mostrava. Apostavam que ela dava conta de viver sem sua participação e que, portanto, poderiam dedicar-se a outras demandas. Para poupá-los, ela se silenciou. Muitas pessoas que sofrem de depressão consideram-se um fardo e não se percebem merecedoras do cuidado do outro e, portanto, se calam. Hannah percebia a necessidade de seus pais em se ocupar de seus projetos. Ouso dizer que, talvez por isso, preferiu não importuná-los com o que, para ela, parecia irrelevante. Como se não bastasse isso, ela falha com eles e seu sentimento de inutilidade aumenta.

O supervisor da escola, ainda que fosse um psicólogo, não poderia se posicionar como terapeuta. Ao ouvir o relato de Hannah pela primeira vez, tenta convencê-la a revelar publicamente sua história. Esse era, de fato, o seu papel. Ele não tinha um papel de psicoterapeuta e era responsável não apenas pela vida de Hannah, mas pelas vidas de todos os alunos da escola. Assim sendo, não seria prudente ouví-la simplesmente com a intenção de acolhê-la e, depois, silenciar-se. Ele precisaria tomar medidas mais drásticas, delatoras, o que causaria a Hannah mais exposição, e que era justamente o que ela estava tentando evitar. Hannah àquela altura já vivia numa postura defensiva em função de experimentar constantemente a indiferença dos outros e, com isso, compreendeu a postura do supervisor como mais uma forma de desprezo ao seu sofrimento.

Em geral, o suicídio acontece quando as pessoas já não suportam o seu sofrimento e não tem mais esperanças de se verem livres dele. A falta da esperança é o desespero. Ao desesperar-se é impossível acreditar numa saída, acreditar que as coisas vão mudar para melhor, acreditar que é possível superar a dor. Assim, pode lhes parecer que deixar de viver é menos doloroso do que viver da maneira como vivem. As dores não são mensuráveis. As dores da alma, são menos objetivas ainda por que não se pode ver a ferida que dói. Por isso é tão fácil para quem está de fora passar despercebido por alguém em sofrimento. Por isso é tão fácil julgar aqueles que tomam a iniciativa de dar cabo à própria vida. Suicidar-se é uma decisão tão drástica que é difícil concebê-la como possibilidade e, assim, não conseguimos muitas vezes premeditar a escolha do outro e atuar sobre ela. O que podemos fazer para nos tornar conscientes da dor do outro, é permitir que ele seja ouvido, acolhido, sem críticas ou julgamentos, sem receitas para o sucesso, sem consolo. Simplesmente ouvir com cuidado, com respeito.

Se essa série mexeu com muita gente, se muitas pessoas compreenderam que se trata de uma série que deve ser evitada, é porque inevitável mesmo é ser empático. "A dor do outro não é minha, mas ela me dói", diz por aí Antônio Coppe. Quando nos colocamos como ouvintes, não conseguimos deixar de sentir o que o outro sente. Alguns toleram melhor a dor outro por que sabem que, mesmo a sentindo, essa dor não lhes pertence. E é por ser tão difícil fazer essa distinção que muitas pessoas evitam um amigo/familiar/colega/vizinho/etc. que lhes parece deprimido. É por termos medo de não saber distinguir a dor outro da nossa própria, que muitas vezes nos recusamos, inconscientemente, a notar o sofrimento dele.

Por fim, compreendo que essa série é uma série sobre adolescentes para adultos, uma obra de arte que não é reflexiva, mas que promove a reflexão, uma série sobre ética, sobre perspectiva, uma série que não tem a intenção de influenciar comportamentos, mas expô-los e criticá-los, uma série que reproduz a realidade de milhões de pessoas, uma série sobre depressão e como o suicídio pode ser a sua consequência. Acredito que se alguém tirou sua própria vida depois de ver a série, não é porque a série ensinou como fazê-lo. Desde sempre as pessoas tiram suas próprias vidas sem ser necessário que alguém as ensine. Se alguém tirou sua própria vida depois de assistir "13 reasons why" é porque havia um sofrimento pré-existente, é porque não se sentiram ouvidos, compreendidos, acolhidos, é porque compreenderam que extirpar de seu corpo a própria vida lhes parecia menos doloroso do que lidar com o sofrimento do amanhecer ao anoitecer. É uma série que vale a pena ser vista e divulgada para que as pessoas possam experienciar a arte e todos os sentimentos que ela pode produzir em nós, para que compreendam com maior clareza o que é a depressão, para que elas passem a reconhecer as pessoas ao seu redor e que passem a se comover com seus sentimentos, sejam eles quais forem. Falar sobre morte é falar sobre a vida, sobre como ela pode ser vivida. Então, falemos de vida...

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