Por Flávia Beatriz de Paiva Braga
18/11/2018
"Para estar junto, não é preciso estar perto
e, sim, do lado de dentro"
Leonardo da Vinci
Em sua origem, as teorias de personalidade buscavam a compreensão de algo que se passava dentro do homem, como tentativa de encontrar soluções para problemas de adaptação dos indivíduos. De acordo com Lindzay e col., a temática da personalidade, fundamental para a Psicologia, surge a partir da Medicina e de sua prática, inclusive, os primeiros teóricos a se dedicarem ao tema (Freud, Jung e McDougall) eram médicos.
Assim, na idéia central das teorias de personalidade aparece uma visão de motivação e necessidade como instinto, inconsciente, impulso ou energia biológica enquanto motor da ação humana. Além disso, há uma inexistência de estudo dos valores como determinantes da conduta, bem como uma valorização do biológico e do hereditário em detrimento do social e histórico (Magnabosco, M).
Dessa forma, as teorias de personalidade tendem a focar no que há “dentro”, atribuindo pouco valor ao que acontece no “entre”, ou seja, às relações que acontecem entre as pessoas, tão fundamental para a compreensão do homem.
Nesse contexto, faz-se relevante discutir que “entre” é esse que acontece nas relações, e que relações são estas que nos interligam e que nos tornam seres interdependentes e não dependentes ou independentes como tratado pela lógica dicotômica do pensamento vigente, inserida no contexto capitalista.
De acordo com Crittelli, embora o existir seja algo que aconteça em conjunto, nossa cultura é cega para essa condição humana. Segundo ela, o que se cultiva e valoriza é a maior independência possível entre as pessoas, e que uma pessoa só é considerada forte e madura se jamais precisar de ninguém:
Pensa-se que precisar dos outros é vergonhoso, sinal de uma fraqueza que se deve esconder a todo custo, como um mal, um desvalor. Parece que precisar dos outros -de imediato- nos faz dependentes. Sentimo-nos dominados, subalternos. Assim, quanto mais pessoais as ações e decisões a serem tomadas, mais solitárias elas se afiguram. E, por conseqüência, mais impotentes nos sentimos. É do espírito de nossa cultura, portanto, associar a independência ao isolamento e também à auto-suficiência. E de confundir atos pessoais com atos solitários. A tecnologia de consumo contribui muito para consolidar e manter essa meta de independência, de auto-suficiência e de solidão. (CRITTELLI)
Essa necessidade de independência tão valorizada pelo capitalismo, e a valorização do individual em detrimento do ser de relações, do entre, leva o homem a vivenciar as tonalidades afetivas da solidão e do abandono, do medo e do tédio. Desse modo, a pessoa pode se fechar, e passar a querer compreender a si mesma, como o fez (e o faz) a maioria das teorias da personalidade: como um ser “fora das tramas relacionais em que vive por ter pressuposta a noção de interno, de dentro, de privado, onde há uma superestimação do eu, do corpo, o que gera isolamentos, imediatismos e necessidade de eliminar todo e qualquer sofrimento e problema” (MAGNABOSCO, M. p.42).
Por estarmos fixados no duelo entre a independência e a dependência, acabamos não percebendo um estágio intermediário: a interdependência. Nesse estágio ninguém comanda ou é comandado, colabora-se uns com os outros, são feitos acordos nos quais “garantimos a autonomia enquanto decidimos e agimos em conjunto”. Além disso, é “precisamente na interdependência, na cooperação e no agir em conjunto ou no contar com o outro – fundamentos da nossa condição humana - é que germina nossa salvação” (CRITELLI).
Desse modo, evidencia-se como extremamente importante considerar o homem enquanto um ser que se constrói o tempo todo a partir das relações. Sem o “entre”, a prática da psicoterapia não seria possível. Por isso, uma teoria da personalidade que leve em consideração o modo como acontecem as relações e, que relações são estas que vivenciamos, - considerando o contexto histórico em que estamos inseridos - ao longo da nossa trajetória enquanto ser-no-mundo, torna-se fundamental para uma compreensão do homem em sua totalidade.
Assim, não é possível ser um psicoterapeuta eficiente sem levar-se em consideração a dimensão do “entre”: é preciso e fundamental perceber que antes de um “EU” existe um “NÓS”!
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