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Porque Investi num Consultório Presencial em Tempos de Terapia Digital


Por Iolanda Aguiar e Oliveira

03 de Setembro de 2024


Eu sempre apostei na eficácia do atendimento online de psicoterapia. Mesmo antes de haver uma validação significativa da sua potência, eu já acreditava que qualquer modalidade de atendimento era melhor do que não ter acesso à terapia. Foi em 2016 que eu comecei a atender remotamente. O atendimento online já era regulamentado pelo Conselho Federal de Psicologia, mas não era uma prática comum. Existia muita resistência por parte dos psicólogos e psicólogas e, creio eu, um certo medo do novo e do desconhecido. No início, a demanda era baixíssima e consistia em pessoas que já tinham passado pela terapia presencial comigo, mas tiveram que se mudar de cidade ou eram brasileiros morando no exterior querendo ser atendidos por alguém cujas origens e cujas referências culturais dialogassem com os deles.

Foi com a vinda da pandemia do COVID-19 que a demanda por atendimentos online realmente surgiu como prática comum. No início, as pessoas estavam tentando ser otimistas, fazer a melhor limonada com o limãozão que foi o isolamento social. Elas se ocuparam de tarefas e programas que antes não priorizavam, se dedicaram ao que antes procrastinavam, até que a exceção virou a regra. O diferente se tornou cotidiano, e o que fazia do isolamento um momento oportuno, de repente, se tornou inconveniente e, em alguns casos, adoecedor. É aí que o boom dos atendimentos online aconteceu.

A princípio, todo mundo adorou não ter que enfrentar o trânsito para ir ao consultório fazer terapia. Alguns gostaram da experiência de poder encerrar a sessão e literalmente chorar até cansar no travesseiro. Outros gostaram de poder fazer terapia de pijama, dentre outros confortos. Até nós, terapeutas, desfrutamos dessas benécias. Porém, nem tudo são flores...

No início, confesso, era bem difícil para mim ficar me assistindo na telinha que me cabia nas videochamadas. A cada reação que eu fazia, minha atenção flutuava, e eu me pegava desatenta e julgando a mim mesma: “então é essa a cara que eu faço quando estou concentrada? Essa é a minha expressão de empatia e compaixão?”. Depois, me julgava porque desconectei da pessoa que aparecia na tela diante de mim, enquanto eu investia tempo e energia julgando a mim mesma... Ou seja, foi bem desafiador.

Não demorou mais do que cinco meses após o início da pandemia para eu retomar os atendimentos presenciais. Não todos, mas os daqueles que não tinham condições de fazer terapia online. Um dia da minha semana era dedicado exclusivamente aos atendimentos presenciais. Nos outros quatro, eu estava em casa. Nessa dinâmica, eu pude experimentar com ênfase as diferenças entre os atendimentos presenciais e os atendimentos remotos.

Tudo começa com o fato de que a gente não fala só com a boca, mas com o corpo inteiro. E se a gente fala com o corpo inteiro, não basta ter ouvidos para ouvir.

No consultório, eu consigo dar significado a um pé inquieto que revela uma ansiedade não dita; consigo ver um desânimo refletido numa postura esparramada no sofá; consigo ver um tremor que caracteriza a tensão da primeira sessão; consigo captar com precisão um olhar que não se fixa ao meu...

A terapia não se limita ao discurso. A terapia é uma experiência e experiências não são vividas na mente. São vividas dos pés à cabeça.

Uma condição extremamente importante para que uma sessão de terapia aconteça da maneira mais eficaz possível é a atenção concentrada do(a) terapeuta. Para mim, o esforço de me concentrar no online é muito maior do que no presencial. Além dos estímulos ao nosso redor, sempre tem uma notificação que nos distrai. Seja do Java que precisa ser atualizado, seja da agenda ou do WhatsApp que de vez em quando fica esquecido aberto. Se o atendimento é feito pelo celular, ainda tem as ligações de outros atravessadores que interferem no curso do atendimento.

Falando nisso, os aplicativos para videochamadas, o provimento da internet e outros recursos se desenvolveram muito para atender às necessidades que o trabalho remoto impôs a todos nós no período do isolamento social. Porém, nem a tecnologia está imune à imperfeição. Ainda hoje estamos sujeitos às falhas de sinais, à falta de energia elétrica, aos travamentos dos aplicativos e assim por diante. Tudo isso é compreensível, mas quando acontece deixa todo mundo frustrado. Além da frustração, o fluxo da experiência é interrompido e um insight que poderia estar se formando escapa.

Além de ter facilitado o processo terapêutico dos meus clientes, também vivi o meu próprio processo de terapia. É verdade que é mesmo cômodo não ter que enfrentar o trânsito, não ter que trocar de roupa, não ter que sair de casa.

Mas como eu mesma tenho muitos anos de experiência como cliente de terapia, eu notei que me fazia falta aquele intervalo de tempo entre sair de casa e chegar ao consultório da minha terapeuta.

Era nesse ínterim do trajeto que eu processava sobre o que eu queria ou precisava abordar na sessão. Relembrava minha semana, resgatava os fatos e as emoções vividas, olhava para mim. Na volta, eu processava os insights e refletia sobre tudo o que eu tinha dito a mim mesma na companhia da minha terapeuta.

Isso significa que as minhas sessões de terapia não aconteciam apenas no consultório dos meus terapeutas, mas antes e depois disso também.

Eu me lembro com muita clareza de uma sessão de terapia presencial em que eu me queixei da minha falta de autonomia para fazer as coisas por mim. Estar só comigo mesma era difícil, e eu sentia que sem companhia eu não poderia me proporcionar certas experiências. Porém, nem sempre era possível fazer certas coisas acompanhada, e isso me levava a acreditar que eu então teria que renunciar ao que me era caro e importante.

No dia em que a referida sessão de terapia ocorreu, eu saí do consultório triste e, no caminho do consultório para o ponto de ônibus, refletia sobre isso. Acontece que para chegar ao ponto de ônibus eu passava em frente a um shopping onde havia um cinema. Num impulso, decidi que eu iria assistir a um filme sozinha mesmo. Durante o filme, eu chorava pela história comovente que passava na tela e chorava pelo meu sentimento de libertação, pela descoberta da minha capacidade de ser e fazer por mim. Se aquela sessão tivesse sido online, talvez eu encerrasse a chamada e me distrairia imediatamente com alguma demanda de trabalho ou com algum entretenimento. Nem todas as sessões de terapia são ou serão como essa, mas todas elas são potencialmente assim.

Não me entenda mal. Eu não estou dizendo aqui que o atendimento online não tem eficácia. Volto a dizer que ele tem o seu valor, ele tem o seu lugar e ele pode sim ser eficaz.

Eu encontrei minha forma de driblar alguns desses percalços que podem reduzir a eficiência da terapia online e tenho observado atentamente o andamento dos processos terapêuticos que eu facilito remotamente. Eu realizo atendimentos online, não pretendo deixar de fazê-lo, mas eu valorizo muito o diferencial do presencial.

Há pouco tempo, eu e minha sócia-irmã realizamos um sonho antigo que para mim data de 14 anos atrás, quando eu comecei minha carreira clínica: comprar uma sala e fazer nela o consultório que eu sempre quis e precisei. Fui muito questionada sobre a pertinência do meu investimento por ir na contramão de muitos dos meus colegas de profissão que, depois do isolamento social, preferiram reduzir os custos de manutenção de um consultório e se restringir aos atendimentos online.

Compreendo plenamente a decisão deles e considero seus motivos extremamente válidos, mas a potência do presencial é alguma coisa que me chama, que me convida e que extrai de mim o que eu tenho de melhor enquanto profissional da psicologia.

Eu estou apaixonada por nossa nova morada. Além de ser o lugar onde eu posso ser inteiramente humana e presente para os meus clientes de terapia, ela não é um lugar qualquer. Hoje, o meu consultório é todo pensado para comunicar o acolhimento que nós pretendemos ofertar. A nossa ideia sempre foi criar um espaço em que as pessoas se sentissem em casa. Por isso, eu chamo de morada. Eu também moro ali, assim como moram minha empatia, minha compaixão, meu desejo de acolher e acompanhar, minha escolha de fazer do relacionar-se a minha profissão. É ali que também moram as dores dos meus clientes, as suas realizações, suas autodescobertas, seus insights, suas lágrimas, seus sorrisos...

Agora que o sonho virou realidade, o próximo passo é transformar essa morada numa comunidade. Que venham muitos clientes, muitos amigos, muitos psicólogos e psicólogas desfrutar das benesses da terapia presencial nesse lugar pensado para ser nosso!

Pode entrar. Sinta-se em casa!

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